sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Deu na folha universal / NA LINHA DE TIRO



Na linha de tiro

PMs do Rio de Janeiro são alvos fáceis de ataques violentos, convivem com uma das remunerações mais baixas da categoria no País e são obrigados a esconder a condição de policiais até dos vizinhos
Mortalidade em crescimento
A polícia do Rio de Janeiro está entre as que mais matam e morrem no mundo


Na linha de tiro


Poucos dias antes de ser assassinado, no mês passado, durante o ataque de bandidos na Cidade Nova, zona central do Rio de Janeiro, o sargento Wilson Alexandre de Carvalho, de 41 anos, conversou com parentes sobre o risco de ser policial e o medo de ser morto em uma ação. Ele lembrava às pessoas próximas que atuava no “policiamento de alvo”, como se referia ao fato de ficar em uma viatura na vigilância de um ponto fixo e, portanto, ser uma presa fácil de ataques.

A morte do sargento Wilson veio reforçar a triste estatística que cerca a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Para o tenente-coronel da reserva Milton Corrêa da Costa, nenhuma instituição policial do mundo apresenta dados tão alarmantes. Em 10 anos, de janeiro de 1999 a março de 2009, 1.458 policiais militares foram assassinados no Rio de Janeiro, dos quais 79% (1.147) foram mortos em períodos de folga e 21% (311) durante o serviço. “Uma carteira e uma arma de policial são um passaporte carimbado para a morte”, diz Costa. Só no ano passado, 168 policiais militares fluminenses foram alvos de atentados por parte de bandidos e 98 morreram.

O tenente Melquisedec Nascimento, presidente da Associação dos Militares Auxiliares e Especialistas (Amae), aponta a falta de condições de trabalho como uma das principais causas das mortes: “O policial precisa de pelo menos dois empregos para conseguir manter a família e na maioria das vezes trabalha em viaturas caindo aos pedaços e com coletes de péssima qualidade. Se está de folga, pode ser surpreendido por bandidos e acabar morto.”
Além de enfrentar criminosos bem armados e o crime organizado que se alastra pela cidade, o policial militar do Rio de Janeiro ainda convive com a má remuneração. Apesar da rotina perigosa, a instituição paga o segundo pior salário entre as polícias militares no País. Um soldado ganha apenas R$ 1.037 brutos por mês, enquanto em Brasília o piso médio bruto é de R$ 3.370.

Apesar de ações polêmicas, o Batalhão de Operações Especiais (Bope) é respeitado em todo o mundo. O grupamento oferece cursos de Ações Táticas e de Operações Especiais a agentes de várias polícias, como as dos Estados Unidos e de Israel, mas um soldado da tropa de elite da PM, com 7 anos na corporação e dois cursos de aperfeiçoamento, recebe
R$ 2.192,55, incluída a gratificação por ser do Bope, que corresponde a metade desse valor. Por isso quem tem chance abandona a polícia.

“A gente só pode cobrar um comportamento digno de um policial se ele tiver condições dignas de vida.“ A frase de Fernando Bandeira, presidente do sindicato de policiais civis do Rio de Janeiro, se aplica perfeitamente ao cotidiano dos policiais militares.

Por causa dos baixos salários, soldados, cabos e sargentos são obrigados a morar em favelas ou áreas de risco, dominadas pelo tráfico. Os policiais militares, treinados para defender a ordem e proteger o cidadão, têm medo dos vizinhos. Eles preferem deixar os uniformes no quartel e camuflar a verdadeira profissão. Se forem descobertos, não encontram saída: ou deixam o lugar imediatamente ou acabam seguindo as normas determinadas pelo tráfico para continuarem vivos.

O presidente da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar, Vanderlei Ribeiro, calcula que 40% do efetivo de cerca de 33 mil PMs no estado do Rio reside em áreas de risco. Com as ameaças frequentes recebidas pelos policiais que vivem em áreas carentes, especialistas dizem ser grande o perigo de que o policial caia em tentação e passe para o outro lado, o dos bandidos.

Guarda Real
A Polícia Militar foi criada no dia 13 de maio de 1809 por D. João VI com o nome de Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte. A nova polícia era formada por 218 guardas, que usavam trajes e armas idênticos aos da Guarda Real Portuguesa. Hoje, o Rio de Janeiro tem cerca de 37 mil PMs, fardados, sem ornamentos e muitas vezes portando fuzis. Ao longo de 200 anos, muita coisa mudou. Mas nem tudo.

Para o historiador Marcos Bretas, a instituição sempre foi marcada pela falta de qualidade. A polícia era repressiva. Desde o início houve queixas da população contra sua violência.
Hoje os policiais militares acabam fazendo “bico” nas folgas para “engordar” o orçamento, geralmente em segurança privada. Expostos, correm mais riscos, inclusive de serem reconhecidos por bandidos. O estresse físico e psicológico, o uso de armamento de guerra e a falta de treinamento completam a receita explosiva que resulta em seguidas mortes, inclusive de inocentes que são vitimados por balas perdidas.

Para o professor Bretas, a PM precisa aumentar a noção de presença diante da população e reduzir o nível de conflito. “Hoje a polícia se tornou um agente guerreiro de uma sociedade conflagrada”, sintetiza.

Na opinião do sociólogo Ignácio Cano, o momento é um marco para se refletir sobre o futuro da instituição que vive no centro de um furacão que causa perdas significativas de todos os lados. Segundo ele, as polícias militares do Brasil precisam rever seus princípios, como regimes disciplinares que não refletem a realidade de uma corporação de segurança pública avançada. “Esse momento deveria servir para uma reflexão de como aproveitar algumas coisas do passado, mas sobretudo de como podemos mudar no futuro para uma instituição mais ajustada com os dias atuais”, diz.



Por Carlos Antonio
redacao@folhauniversal.com.br

Como estamos vendo o apoio é total.

Reynoso Silva

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