quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Major Elza Cansanção – A Primeira Mulher a Integrar o Exército Brasileiro

A enfermeira, Elza Cansanção Medeiros, faleceu na terça-feira, dia 08 de dezembro, aos 88 anos. A morte ocorreu por complicações de uma fratura no fêmur ocorrida enquanto a major se recuperava de um acidente vascular cerebral (AVC) que a acometeu no início de 2009. O velório aconteceu ontem, dia 09, no salão nobre do Palácio Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, cidade na qual a major residia. O corpo de Elza foi cremado após o fim da cerimônia. A major Elza, como era conhecida, foi a primeira mulher a integrar a Força Expedicionária Brasileira (FEB), como enfermeira voluntária, tendo apenas 22 anos quando se apresentou ao Exército, em abril de 1943, para combater junto ao corpo expedicionário na Itália na luta contra o nazi-fascismo. Luta essa que durou para os brasileiros que combateram junto ao IV corpo do V Exército Americano, de 1944 a 1945. Elza, além de major, enfermeira e veterana de guerra, se formou em jornalismo, história das Américas, psicologia, turismo e relações humanas, foi também pintora e escultora premiada. A major teve contribuiu para a historiografia sobre a segunda guerra mundial. Ela é autora de três livros “1… 2… Esquerda… Direita… Acertem o Passo”, “E foi assim que a cobra fumou” e “Nas barbas do tedesco”, todos sobre a participação do Brasil no conflito. Atualmente a major trabalhava na produção de um novo título “Mulheres, alicerce de uma pátria forte”. A major Elza organizou também um museu sobre a Segunda Guerra, na cidade de Maceió-AL, fundou as revistas “Ex-combatentes”, da Associação de Ex-Combatentes e “O Febiano”, da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira. Por tantos feitos, a major Elza Cansanção Medeiros é a mulher mais condecorada do Brasil, com mais de 30 medalhas, entre militares e paramilitares. Elza foi a única mulher a receber a medalha “Ancien Combatant du Tatre du Operacion du L’Orope – França”. As mulheres no Exército Brasileiro Todas as mulheres a integrarem o corpo de enfermeiras brasileiras durante a segunda guerra foram voluntárias e eram também as primeiras mulheres no Exército Brasileiro. A major Elza Cansanção foi a primeira voluntária, da primeira turma e se formou no curso de enfermeira como a primeira da turma. “As mulheres foram todas voluntárias. Foram feitos quatro cursos aqui no Rio de Janeiro. Eu fui a primeira a me alistar como voluntária e me apresentei em 18 de abril de 1943. Fui a primeira colocada no curso”, explica. O treinamento das enfermeiras A preparação das enfermeiras desde o início foi árdua, com muito treinamento e exercício físico. “Os exercícios que fizeram conosco, hoje em dia não são feitos nem por homens por que eram muito perigosos. Os exercícios eram: passagem no poste com 5 metros de altura sem rede, falsa baiana (caminhar em cima de uma corda presa mais alto do que o chão e tendo outra acima da cabeça para segurar), a preguiça pendurada no cabo (que era pendurar-se na corda, como faz a preguiça) e uma série de outros exercícios. Terminado o curso tínhamos na parte da manhã o hospital, treinamento no hospital central do exército até o meio dia, depois íamos pro quartel general. Levávamos uma hora de bonde, tínhamos as aulas teóricas e tivemos até aulas com um professor de francês para trabalhar com os americanos. A eficiência da preparação aqui foi bem precária e ineficiente (pois o francês não teria uso para trabalhar com os estadunideneses). Depois tinha a parte de educação física que era na Fortaleza de São João na parte da tarde. De forma que tínhamos o dia inteiro desde as sete da manhã ocupadas com o treinamento. O treinamento todo durou quatro semanas.” Auto-Retrato Coleção de Medalhas da Major - em exposição em sua casa O preconceito enfrentado pelas mulheres das Forças Armadas Não bastava às brasileiras mostrar sua competência por meio das notas no curso: era preciso também provar que poderiam se encaixar nos padrões raciais exigidos pelo Exército americano. “Terminado o curso teve também a seleção de cor, pois os americanos não permitiam nem pretas nem mulatas. Tivemos que fazer a seleção das cores, tirar as mulatas e isso foi uma confusão danada! Por que a primeira de turma da segunda turma era preta e não pode ir. Tinham três mulatas disfarçadas, que pra gente não chega nem a ser mulata, pra nós é morena, essas conseguiram ir, mas tiveram que ser devolvidas por que os americanos não permitiam.” Após a seleção de acordo com os critérios do Exército americano, as enfermeiras brasileiras seguiram viagem para o Teatro de Operações na Itália. “Nós saímos daqui antes da tropa, as cinco primeiras enfermeiras, Carmem Bebiano, Ignácia de Mello Braga, Virginia Portocarreiro, Antonieta Ferreira e eu, saímos daqui antes das tropas, fomos de avião.” Como eram o primeiro grupo de mulheres a integrarem o Exército Brasileiro, as enfermeiras não tinham uma posição definida e um cargo efetivo. Além de terem de lidar com a falta de organização, lidaram também com o preconceito, a não aceitação de brasileiros em certas cidades italianas, o que gerou problemas de logística. As enfermeiras não eram aceitas nos refeitórios e nos alojamentos de oficiais. Elas não tinham em seus uniformes a estrela de oficial como relata a Major: “Não nos aceitavam nos refeitórios, nem nos alojamentos de oficiais, pois diziam que nós não éramos oficiais porque tínhamos um “tracinho” no braço e não as estrelas de oficial.” O cotidiano das enfermeiras na Itália No dia 16 de julho de 1944 começaram os trabalhos em Nápoles, com a chegada das tropas brasileiras na Itália baixaram 300 homens de bordo (do navio transporte) no hospital e estes homens com as mais variadas doenças, como sarampo, catapora, caxumba, coqueluche. Bastava ter um homem doente e o navio era contaminado. O cotidiano dos atendimentos feitos pelas enfermeiras era bastante árduo. “Nós tínhamos uma equipe de trabalho com horários de trabalho. Nós começávamos a trabalhar às sete horas da manhã até sete da noite, parávamos para almoçar e para jantar, mas era corrido. Quinze dias seguidos depois se dormia uma noite e pegava quinze noites seguidas de sete as sete.” Mas essa rotina relatada não era a única dificuldade enfrentada nos hospitais militares, segundo a Major Elza, “A maior dificuldade foi o idioma, por que o hospital era americano. Nós tínhamos uma sessão brasileira dentro do hospital americano. Portanto se falava o inglês e todo o material era americano. Um material que nós nem conhecíamos por aqui no Brasil. Só que lá tivemos que aprender tudo de novo e isso custou um bom trabalho. Algumas não conseguiram acompanhar de forma que foram devolvidas para o Brasil.” O atendimento mais marcante Quando perguntada sobre o caso mais surpreendente que chegou às suas mãos, a Major Elza, lembra de um menino alemão: “chegou um garoto de 17 anos, um alemãozinho, chegou com a caixa craniana arrancada, a massa encefálica pra fora, misturada com lama, com água… Mas estava vivo, você encostava o espelho no nariz, o espelho embaçava, tinha vida. Tem vida a gente dizia ‘Monta em cima! Vamos trabalhar em cima dele!’ E eu consegui lavar a cabeça dele com soro morno, pra ele morrer com as idéias limpas, e quando no dia seguinte a turma do dia resolveu operar e botar o que sobrou pra dentro da cabeça e fechar pra ele morrer com a cabeça fechada. E ele vivendo, vegetando em cima da cama. Eu ainda tive notícias desse rapaz por três meses, ele continuava vegetando. Porque quando caia no hospital era muito difícil de morrer, quando caia nos hospitais grandes. Por que o hospital da frente, o ‘Field Hospital’, para lá eram levados os ‘intransportáveis’, os que não tinham mais esperança de vida nem nada, mas mesmo assim salvaram muita gente.” A visão de uma militar sobre a Força Expedicionária Brasileira Mesmo sendo ligada as forças armadas como enfermeira e ter trabalhado arduamente durante a segunda guerra, a major Elza Cansanção sempre enxergou a mobilização e a desmobilização das tropas de uma maneira crítica, apontando inclusive os erros que foram cometidos. Com o fim da segunda guerra mundial em 1945, as tropas brasileiras foram enviadas de volta ao Brasil e voltaram à vida civil. Segundo a major, a desmobilização das tropas brasileiras foi a mais absurda possível e analisa o contexto da desmobilização: “O caboclo do interior estava acostumado a usar fragata de couro, a fumar cigarro de palha, a comer jabá com farinha e usar umas camisas de fazenda bem ordinárias. Ele vai pro Exército, lhe dão uma roupa bonita, um sapato brilhando, engraxado, passa a fumar ‘Chesterfield’, ‘Camel’ e a única coisa que ensinaram foi matar. A guerra termina, ‘tchau, vai embora para casa’. Não houve nenhuma preparação psicológica para a desmobilização. Então, o que aconteceu é que nós tivemos uma quantidade de falhas. Aquelas pessoas que não tinham capacidade pra fazer nada, não sabiam fazer nada mais do que aquilo, trabalhar no campo ou então, usar a arma. Não houve preparação nenhuma. Soltaram ele na rua. E enquanto o dinheiro da reserva que ficou aqui no Brasil todo mundo queria ouvir as histórias, quando o dinheiro acabou, eles viraram uns chatos que repetiam as mesmas coisas, ficaram isolados.” O descaso com os veteranos de guerra Major Elza - Arquivo Pessoal A major sempre ressaltou o fato de existir uma espécie de descaso com a história dos combatentes. “Até hoje tem gente que fala: ‘Pelo simples fato de ter ido à guerra acha que tem direito as coisas’”. Muitos problemas surgiram a partir da participação na guerra. “A quantidade de neuróticos que nós tivemos foi muito grande. Porque você não sabe o que é ficar… Eu estou aqui, ali fora tem um bombardeio. Você não sabe se a bomba vai cair aqui em cima ou se não vai. Só essa tensão acaba com os nervos da gente. Todos nós veteranos somos neuróticos, o que disser que não é está em pior estado. Em maior ou menos grau, mas sempre tem uma neurose. Nós tínhamos soldados que não podiam ouvir o estampido de um carro que se jogava no chão porque tinha a sensação de que era bomba explodindo. Até pouco tempo, ainda tem muita gente aí completamente fora do ar. E, eu mesma sou neurótica, tenho a minha neurose. Não posso falar da guerra que eu começo a chorar. É muito difícil eu me controlar pra conversar assim. Porque a neurose se exacerba.”
Conheci a Maj, uma vez tomei um chamada dela, la no Palácio! Eu era Sd, e estava chamando o elevador sem parar, impaciente! Ela entrou em ação e deu um pito daqueles! Deus a tenha nos mais alto dos céus!

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