sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Oficiais BM/PM - RJPublicar





Olivia Morais disse:
Quadro de QOS, sangue de QOC.
Aos 26 de junho de 2000, lembro-me como se fosse ontem, eu adentrava o pátio do CFAP ombro a ombro com meus irmãos de farda, cantando o hino do CFAP, estufando o peito, chamando a atenção do colega ao lado quanto ao alinhamento, perfilados, com cabeça erguida, no compasso do bumbo para não fazer feio diante de amigos, familiares e instrutores. Não queríamos fazer feio, não podíamos envergonhá-los.
Foram dias vividos intensamente que lembramos em rodinhas de bate-papo com muita alegria, risos e saudosismos quando nos encontramos pelos quartéis ou em eventos.
Entramos muito crus, não sabíamos o que nos esperava. Olhávamos para os mais antigos com admiração, orgulho e desejo de ser igual.
Lembro-me das primeiras palavras: - Senhores! A batida mudou! - A batida agora é outra! Os senhores não foram forçados a passar por aquele portão, mas já que o fizeram, seguirão os nossos regulamentos, aprenderão a falar, a andar, a se vestir e etc...
Lembro-me também quando fomos colocados em forma, por altura, por quartro em seus dispositivos rapidamente. Por quatro???? Dispositivos??? Pois é, a batida havia mudado. Ganhei um número de aluno, logo, foi eleito o xerife, o aluno responsavel por todos ali. Responsável pela formatura, pontualidade, asseio, fardamento, assiduidade.
Ali, já aprendíamos que tínhamos que ter espírito de corpo e camaradagem, pois caso algum de nós estivesse em desalinho, todos pagariam, inclusive ele, o xerife.
O tempo foi passando e fomos apresentados às disciplinas:
• Defesa Civil
• Instrução Operacional
• Estágio Supervisionado
• Educação Física
• Legislação e Regulamentos
• Armamento, Munição e tiro
• Ordem Unida
Tínhamos que criar o nosso próprio brado. A disputa era acirrada. O brado era o que dava alma a cada GI. Queríamos cantá-lo em deslocamento, precisávamos fazê-lo ecoar pelos pátios quentes do CFAP para que ele fosse ouvido pelos demais GI’s que estavam em sala de aula. Era uma disputa muito sadia, mas, queríamos demonstrar que éramos mais criativos, inovadores e melhores.
Mas meus irmãos, não foi ali que eu renasci como bombeiro. Ali, eu me formei bombeiro e me aperfeiçoei. Eu me tornei bombeiro de verdade, aos 19 anos. Em 03 de setembro de 1992 quando meu pai teve um IAM.
Lembro ainda que antigamente, na parte de classificados dos jornais, eram publicados artigos com ensinamentos de como realizar RCP, como agir mediante uma picada de bicho de peçonha, queimaduras, aspiração de corpo estranho, hemorragias. Haviam figuras desenhadas, era uma forma de educação continuada. Bem, sempre li aqueles artigos, não lembro ao certo o porquê. Lia tão ávidamente, lia os livros do meu velho que era Enfermeiro da Marinha Mercante.
E quando foi chegada a hora em que uns ficam e outros têm que ir embora, eu apliquei tudo que havia lido, ávida e instintivamente. Lembro até hoje que realizava a RCP num 5x1 frenético, quase desfaleci. Minha mãe é do lar, estudou até a quarta série do ensino fundamental, não sabia nada de socorrismo civil. Bem, aquela batalha eu não venci, ele chegou ao hospital ainda “batendo” e gaspeando. Foi um infarto fulminante. Porém em outras experiências que vivenciei, em algumas tive sucesso.
E mais tarde, quando deslumbrei a chance de adentrar ao CBMERJ, eu o fiz. Todos na minha família sempre usaram farda. Em minha consciência, eu tinha a obrigação e o dever moral de vestir também. Eu sempre amei engraxar os sapatos do meu velho, admirava a forma como minha mãe fincava a farda dele. Sempre impecável cheiroso e alinhado. Eu tinha muito orgulho, muito mesmo e ainda tenho. Eu também dei orgulho a minha família, professores, vizinhos e dei ânimo ao meu primo, irmão. Pessoas que me viram nascer e que há pouco tempo foram atendidas por mim na UPA.
Durante todo este tempo no CBMERJ, eu trabalhei, estudei e fui galgando postos, até finalmente, realizar o meu sonho de me tornar oficial de saúde. Foram tempos difíceis, passei por muitas situações inusitadas neste Corpo de Bombeiros, minha gente, assim como todo mundo. Muitos torceram a favor, alguns fizeram chacota e outros fizeram até aposta como eu não passaria no concurso de 2008. Ouvi de um militar que deveria ser o meu maior incentivador as seguintes palavras: - É impossível abrir mais vagas e você ser chamada! E logo, apareceu outro e disse: - Não páre de se preparar, continue correndo, fazendo suas flexões. E em muitas destas flexões, no horário do almoço, estavam presentes irmãos de farda como: Sgt Gilberto, o falecido Cb Marcio Pereira, Sgt Mendonça empenhados em me ensinar como realizar flexões sem apoio dos joelhos.
E em verdade, eu digo que o impossível, senhores, é aquilo que ninguém ainda realizou. E para Deus nada é impossível. Para tudo existe um porquê e um pra quê.
Lembro-me de cantar em meio às lágrimas o Hino do Soldado do Fogo numa cerimônia que não era bem, a nossa tradicional cerimônia. E ao comando de meia volta volver, posiconados de frente para os nossos parentes, cantamos para eles bem alto e em bom tom o nosso hino. Fomos muito aplaudidos. Mais uma vez, nós não fizemos feio, não os envergonhamos e isso é o mais importante. Alguns devem estar pensando, mas aplausos, abraços não pagam minhas contas, mas o reconhecimento, o alívio do dever cumprido enobrece a minha alma e aos olhos de seus filhos, você é um ídolo, um herói. Para ele(a), é Deus no céu, Bombeiros aqui na terra.
Tive alguns percalços, chorei muitas vezes, mas sorri muito mais com amigos de caserna. Alguns não se encontram mais entre nós. Esses nunca me fizeram chorar, muito pelo contrário, só me traziam alegrias. O CB BM Márcio Pereira foi um deles. Este amigo enfrentou o fogo para salvar sua família e infelizmente, não resistiu aos ferimentos e faleceu.
Ao vivenciar isso, eu pensei – Este cara é muito mais bombeiro do que eu. Ele encarou o fogo por várias vezes e retirando da casa em chamas os filhos e mulher, um por um. Ele caía e se levantava porque o chão flamejante havia derretido os seus pés, mas o fogo não o deteve. Ele me fez e me faz chorar quando lembro suas brincadeiras, sua luta cotidiana. Havia voltado a estudar, brincava muito comigo dizendo: - quando eu crescer eu quero ser como você, você não, senhora agora, né?
Depois perdi outro herói, quem chamávamos de xaropinho no CFAP, Cap BM Jefferson. Este era muito padrão, inteligentíssimo, me batizou com o nome de guerra que ostento no peito com muito orgulho. Foi um dos maiores responsáveis pela formação da turma do CFCAS/2000.
Todos esses acontecimentos me fez parar epensar: eu não posso decepcionar esses irmãos, eu não posso ser a vergonha dos meus amigos, familiares, instrutores que viram em mim o exemplo de determinação, garra e superação. Já vibrei muito mais sim. Hoje em dia, estou um pouco abatida, por problemas de saúde entre outras coisas. Como todos os senhores que estão participando do movimento, não estou satisfeita com meu salário, com as condições de alguns irmãos de farda, mas ainda, me emociono quando os vejo atuando em tragédias, sinto orgulho e penso: eles são mais bombeiros que eu.
Contudo, parem e pensem!
Meus amigos estão me cobrando muito e os seus cobrarão dos senhores também. Todos estão assustados com a atual situação da Bahia. Eu, pessoalmente, não pretendo deixá-los na mão. Se precisarem de mim, me terão. Seja pela metade, a meia-bomba ou qualquer forma que seja. Porque quando o corpo não aguenta, a moral sustenta.
Irmãos, eu não tenho a pretensão de ser a vilã desta estória. Não sou eu a vilã.
Os senhores são os heróis, não são os vilões. Não permitam que o papel se inverta. A população está e sempre esteve ao lado dos bombeiros, mas se houver ranger de dentes, muita coisa pode mudar. O sofrimento modifica as pessoas, muda a forma de pensar e agir. Fico elocubrando, e se não tivermos mais estes bombeiros que eu me orgulho e penso que são mais bombeiros do que eu? Quanto tempo far-se-a necessário para forjar heróis calejados e experientes? Para alguns, falta pouco para ir pra casa para o descanso merecido e quanto aos demais? Não sei quanto aos outros, mas eu reconheço o valor do Bombeiro Militar, meus amigos, parentes e a sociedade também. Não manchemos o nosso brio com sangue e lágrimas alheias. Manchemos a nossa farda com sangue e lágrimas apenas salvando vidas. Não podemos nos responsabilizar pela perda de vidas. Nós salvamos vidas e não roubamos vidas. Nossos serviços são mais que essenciais, são imprescindíveis. Se temos 97% de confiabilidade da sociedade, isto pra mim se traduz que esta sociedade, só conta conosco e com mais ninguém.
Recuar em uma batalha não é sinal de derrota e sim de estratégia!
Enfim, eu venho por meio deste depoimento, pedir aos senhores que reflitam bem em suas atitudes, que ponderem e pesem os prós e contras. Nada é eterno, a vida é uma constante mudança, uma roda de sansara.
"O que fizemos apenas por nós mesmos morre conosco; o que fizemos pelos outros e pelo mundo permanece e é imortal." Frase de Albert Pike.
Lembremo-nos das palavras que se seguem, lembremo-nos do nosso juramento o qual recitávamos com ênfase, principalmente a última frase:
– "Ao ingressar no Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, prometo regular a minha conduta pelos preceitos da moral, cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinada e dedicar-me inteiramente ao serviço da Pátria, ao serviço de bombeiro-militar e à segurança da comunidade, mesmo com o sacrifício da própria vida".

Rio de Janeiro, 07 de Fevereiro de 2012.
2º TEN BM QOS/ENF/00 OLIVIA MORAIS

Não culpe os BM, aqui no CBMERJ existem Pessoas/Militares como Olivia Morais que serve como o fiel da balança, sendo um exemplo positivo.

Reynoso Silva Cidadão Bombeiro.

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